Amantes (2 Lovers, no original) é um filme denso, protagonizado por Joaquin Phoenix e Gywneth Paltrow, e que conta com Isabella Rossellini no elenco. Não há cenas particularmente ‘calientes’ no filme, como o título pode sugerir.

Neste caso, a palavra está muito mais ligada a amor, a amar em silêncio, na clandestinidade, oculto ao olhar dos outros – e não tanto a fazer amor. O melhor motivo, então, para assistir é conferir a excelente atuação de Joaquin Phoenix, neste que anunciou ser seu último filme. Sai de Hollywood para se dedicar à música. Há uma grande torcida para que reconsidere a decisão. 🙂

(Um alerta necessário para quem vem aqui a primeira vez: não sou cineasta e, portanto, não me atenho tanto aos detalhes que fazem a cabeça dos cinéfilos: direção, fotografia, iluminação etc. O que me interessa em cada filme a que assisto é tentar compreender as personagens, vendo como se parecem com as pessoas que conhecemos na vida real. Por desencargo de consciência, o diretor é James Grey. Tendo assim me ‘desculpado’, com os créditos básicos, inicio minha análise com uma pretensão mais psicológica, evitando comentar seu final.)

Resenha

Amantes é um drama romântico, ou melhor, um romance dramático, que retrata um triângulo amoroso. Até aí, nada de inovador, pois a situação amorosa triangular é comum, tanto nas Artes como na vida real, desde o início dos tempos.

Leonard Kraditor (interpretado por Phoenix)  é um dos vértices. Não é um sujeito como outro qualquer. Logo na primeira cena, o assistimos tentando o suicídio. E ficamos logo sabendo que não é sua primeira tentativa, o que prenuncia um filme denso. Em suma: não se trata de uma história de amor, como outra qualquer…

Aos poucos, descobrimos várias nuances de Leonard. Sua idade não é revelada e ele poderia parecer apenas mais um jovem inseguro, que nunca conseguiu sair da casa dos pais. Mas não é nada disto.

Quando os pais aparecem na trama, muitos espectadores justificariam: ‘também com uma mãe controladora daquelas’ (La Rossellini, ótima como mãe judia amorosa e preocupada), ou ‘com um pai daqueles’… Neste filme, nada é tão simples como parece à primeira vista. E, ampliando um pouco, não sejamos reducionistas ou deterministas: mesmo frente a pais como os de Leonard, sempre há portas de saída diferentes, caso a caso.

A saída de Leonard para sobreviver à sua existência dramática, a curto prazo, foi retornar ao lar dos pais há 4 meses. Não fica claro quantas vezes tenta o suicídio – mas são mencionadas duas vezes.

Transtorno de personalidade bipolar

Leonard tem diagnóstico de transtorno bipolar, que quase se materializa, de tão presente e concreto, à mesa do jantar, na preocupação dos seus pais com seu futuro. Parece uma maldição. Para ele, tomar ou não a medicação pode fazer toda a diferença entre pular ou não da ponte.


 Relação familiar

A relação mãe-filho merece atenção. O que seria inadmissível em famílias ‘saudáveis’, invasão pura, na família Kraditor revela-se como carinho, cuidado e preocupação. Claro que proteção demais dos pais pode sufocar e, por vezes, inibir o crescimento. Mais uma vez, nada disto pode ser levado como regra e tomado a pé da letra.

Leonard conta com sua família e deixa pistas para poder estabelecer um diálogo com a mãe, inesperado e profundo.

E se a vida de Leonard estava obscura como seu quarto, de repente tudo acontece, sua vida sai do marasmo: em um curto espaço de tempo conhece Sandra e, dias depois, Michelle.

Química esquemática

Segundo a terapia do esquema, as nossas necessidades iniciais não atendidas podem ser determinantes para a atração amorosa. A pessoa que confirmaria nossos esquemas – ainda que desconfortáveis – seria a mais atraente. Por isto é tão importante estar consciente do que ainda nos incomoda. Vejamos o que cada uma significa para Leonard. 

Michelle  (Gwyneth Paltrow) desperta uma atração imediata, que vai em um crescente de devoção incondicional. Ela exala fragilidade. As resenhas por aí a classificam como ‘vizinha misteriosa’, mas, na verdade, nem é tão misteriosa assim. Extremamente carente, Michelle está em um relacionamento sem futuro, com um homem casado. Confiando em Leonard e acreditando na amizade incondicional do homem a quem vê como ‘irmão’, conta sua história.

Acredita que, tirando sua máscara, Leonard não irá continuar encantado por ela. Talvez fosse o esquema de defectividade, segundo a Terapia de Esquema. Mas daí vem a química esquemática: sua fragilidade (percebida por Leonard, desde o primeiro encontro) faz com que este se sinta forte e protetor.

Já com Sandra (Vinessa Shaw), filha de amigos e parceiros comerciais dos Kraditor, a história é bem ao contrário: ela busca a relação, o tempo todo, desde o princípio – como se vê no trailer. Ela é a parte devotada e cuidadora. Está disponível e o namoro é bastante conveniente para ambas as famílias, mantendo a tradição religiosa e os negócios, também assegurando um futuro saudável para ele, dando tranquilidade aos pais. 

Com Sandra e Michelle nas outras pontas, o triângulo está fechado e a pressão interna sobre nosso herói é grande. Sim, herói, ainda que em fase de recuperação.

Com Michelle, Leonard se sente forte, capaz de protegê-la e superar suas fraquezas. Com Sandra, ele sabe que será aceito incondicionalmente e pode mostrar suas cicatrizes. Mas reluta, recusa-se a assumir o lugar em que a família o quer colocar.

Michelle o inclina para as características maníacas: com ela, ele pode tudo, não tem limites, é super poderoso. O futuro lhes pertence e ele não mede consequências.

Sandra o limita, podendo se assemelhar à fase depressiva. Mas traz a realidade, incentiva seu talento – que, se bem desenvolvido, pode fazê-lo sair da repetição e aprisionamento da profissão familiar.

Em qual relação poderá Leonard tornar-se o que é, desenvolver seus potenciais? Ele não paralisa, vai vivendo e, quando pode e precisa, escolhe. Não quer magoar ninguém, sua maior preocupação. Mas nada que o impeça de agir, ir pro mundo, enfrentar.

Assistimos – uns mais, outros menos – angustiados ao processo de escolha de Leonard. Que parece não ter muitas dúvidas. Ele age, pesando necessidades versus possibilidades. Neste ponto não posso me estender: alguns detalhes têm de ser omitidos aqui a fim de não entregar o final do filme.

Mas, nos comentários, podemos fazer ‘spoilers’, aprofundando…

Filmes sobre escolhas amorosas

Outros filmes de impasses em escolhas amorosas podem ajudar a melhor entender este drama. Lembro de quatro em que a decisão coube à mulher. Aceito, portanto, ‘lembranças’ outras…

Em Jules e Jim: uma mulher para dois, escolher foi impossível para Catherine. Neste clássico de Truffaut, de 1962, o jogo era aberto: as outras duas pontas – os amigos Jules e Jim – sabiam da tensão e competição existente entre eles.

Dos filmes americanos mais recentes, uma das cenas de escolha mais famosas – e dolorosa para muitos – é a de Pontes de Madison (1995), em que a dona de casa vivida por Meryl Steep tem de escolher entre partir e ficar. Deixar a vida certa, segura com família e filhos ou dar um salto no abismo, pela aventura e prazer, seguindo o fotógrafo (interpretado por Clint Eastwood)?

Outro filme que gerou polêmica, envolvendo escolhas, foi Proposta indecente (1993). Envolve escolhas entre razão e emoção mas se embrulha também no tabu do sexo (muito bem) pago, que faz contraponto ao amor adolescente do casal. O quanto o idealismo suplanta a realidade?

E há ainda o filme de Spike Lee, Mais e Melhores Blues (que tem uma trilha sonora fantástica). Este filme de 1990, tem como ator principal  Denzel Washington, que se relaciona com duas mulheres. Pra ele também é difícil (digamos impossível) escolher.

No filme de James Gray, a disputa entre as mulheres não é às claras. Michelle fica sabendo de Sandra por acaso – mas nunca a vê, nem considera sua existência. Sandra não sabe de Michelle nada além de que tem o namorado tem uma vizinha. E quando o celular toca e tem de se afastar, sempre é ‘um amigo’ de Leonardo.

Enfim, vale conferir o filme. Deixe a sua opinião, vamos debater?

2 amantes – dramas românticos do transtorno bipolar

2 ideias sobre “2 amantes – dramas românticos do transtorno bipolar

  • 19/09/2009 em 16:24
    Permalink

    Hummmmmm, não assisti o filme, mas acho q agora vou assistir.
    Adorei isso, adoro que me contem os filmes e o final antes de eu assistir os filmes…mas quase ninguém gosta de me contar. Agora, é só passar aqui antes, hehehe.
    Bjks

  • 19/09/2009 em 16:24
    Permalink

    Você acha que eu contei o final do filme??? Contei não, Denize, tive o maior cuidado para poupar o final. Aliás, em todos os outros, você vai ver que eu não revelo.
    Mas veja sim, depois volta aqui para comentar!
    Beijos

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