Não li Comer, rezar, amar. Talvez por um pouco de preconceito com o setor auto-ajuda das livrarias, talvez por achar que ‘já passei por isto’. Não, infelizmente nunca saí em um ano sabático. Dez dias sabáticos já são um luxo ao qual não tenho me permitido há tempos. 🙁  Mas passei e passo, sempre, desde que me entendo por gente, por um processo de autoconhecimento, que tem muitos pontos em comum com a história de Elizabeth Gilbert.

Ao saber que o livro viraria filme, fiquei acompanhando as notícias e  assisti a uma entrevista da atriz, Julia Roberts, escalada para viver a autora do livro. Na divulgação, Julia contou o quanto o filme transformou sua vida. Ah, exagero de divulgação, ‘muito barulho por nada’? Não, realmente não deve ser fácil mudar com toda a família para alguns meses de filmagem na Índia. Não tem como entrar no rio e sair a mesma pessoa de antes.

Sim, Índia é um dos lugares em que a protagonista vai parar. Não sei se há muitas diferenças significativas de  adaptação, em relação ao livro. Mas, um resuminho seria: a escritora Elizabeth Gilbert entra em crise existencial, separa-se e resolve ir em busca de si mesma. Escolhe para isto deixar por uns meses os EUA e ir pra Itália, Índia e Bali (na Indonésia). No filme não aparece a explicação para a escolha destes lugares, mas, segundo li por aqui, pesou na decisão o fato dos nomes dos três países começarem com a letra I ( o pronome Eu, em inglês). Ou seja “I first” – eu primeiro. Para quem estava com dúvidas sobre quem se era, a escolha não poderia ser melhor.



Algumas críticas que li falam da estereotipia – principalmente em relação à Itália. Sim, concordo. Mas isto não é privilégio deste filme. E, no final das contas, são até estereótipos carinhosos, sobre a arte do dolce far niente – que, sendo americanos ou não, devemos aprender… Bem, se você não leu o livro ou ainda não viu o filme, melhor parar por aqui… Pela frente, vem spoiler. Confira o trailer, com cenas que não entraram na montagem final.



Antes de mais nada, não assista ao filme achando que é uma comédia romântica ou um simples filme de ‘mulherzinha’, como a capa do livro pode sugerir. É um filme sobre transformação e aprendizado. Não é recomendável para quem quem quer viver na mesmice e no conforto. Quem prefere viver sua vida a mil por hora, vai achar um tédio… Enfim, também não confie cegamente na crítica, que geralmente considera filmes sobre a tal busca por si mesmo ou por um contato com a divindade balela. Provavelmente, dormiram facinho logo no início do filme…


Quem já pratica a meditação e sabe das dificuldades de implantar esta rotina na vida diária, se identifica com algumas das dificuldades de Liz, ao chegar ao ashram de sua guru. Liz chega a ela através do primeiro namorado que teve após se separar. Os gurus às vezes fazem isto – chegam através dos caminhos mais tortuosos. “Quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece”, dizem todas as tradições. Disseram que no livro não fica claro quem era a guru, mas agora já se sabe que é Gurumayi (maiores informações em http://www.siddhayoga.org/gurumayi-chidvilasananda)

No filme, claro, contrastes da Índia: pobreza, tráfego louco, casamento planejado pelos pais. Pergunta-se então: “Ok, mas qual a novidade disto tudo?” . Uma opção é ficar só apreciando as paisagens, vendo o filme como um ‘country tour’. Roma é linda, Índia exala devoção, Bali é uma versão bem convincente do paraíso… Ver Javier Bardem encarnando um brasileiro não deixa de ser um tom cômico. Aliás, apesar de ser um dos meus atores favoritos, – sem ter lido o livro, me arrisco a dizer que – ele estava DEMAIS para o papel. Quer dizer, é difícil acreditar que alguém que exala sensualidade como ele teria ficado 10 anos sem relações – sem que fosse um meditante, claro… 🙂 Bem, pode ter sido algo do filme, apenas. Só lendo pra saber (se você leu, conte aqui).

Alguns detratores da indústria hollywoodiana podem até dizer, se achando cheios de razão: “Puxa, no final das contas é mais um filme com happy end“. Ou “Linda mulher 2, revisitada, mais um princípe que chega” . O príncipe, desta vez, vem montado em um Jeep. Porém, para quem percorre o caminho da meditação, o momento que salva o filme de cair na mesmice – e pode ser o pulo do gato para muita gente que  medita – acontece quando ela ouve o que o xamã lhe diz, sobre manter o equilíbrio e saber perdê-lo momentaneamente.


Ouve e finalmente entende. É a melhor lição que ele poderia dar . Serve não só a ela como a todos que se empenham nesta mesma luta entre desapego e apego. Certamente, uma das mais difíceis de se aprender ao longo de toda uma vida. Mas, para isto, confira o filme, desapegando-se dos preconceitos, antes de mais nada. E boas meditações… 😉


Se você quiser comentar, eu vou adorar. É só clicar no título lá no topo da página que se abrirá uma caixa de comentários aqui embaixo. Quando eu puder, aprovo!
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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica e atende no Centro do Rio de Janeiro

A difícil arte de se equilibrar

4 ideias sobre “A difícil arte de se equilibrar

  • 26/10/2010 em 16:24
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    Gosto muito das tuas palavras…TUAS PALAVRAS! Leio criticas de varios jornais,sempre tendendo à ideologia do TER. Tuas palavras remete-nos a SER. Estive lendo Quintana, e um pensamento fala por mim o que gostaria de dizer sobre ti:
    “Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro…” Vc nunca pergunta,vai seguindo sutilezas espirituais sem abdicar da forte condição da carne…do humano.
    Alguém disse sobre o século passado: “esse século será ético ou não será” Digo: esse´século será espiritual ou não será. Todo carinho

  • 26/10/2010 em 16:24
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    Obrigada pelo comentário, Rubeneide. Este século realmente tem de ser ético, para o mundo poder sobreviver… Mas temos muito a mudar, e o trabalho é de formiguinha, começando por nós mesmos, não acha?
    Grande abraço, volte sempre!

  • 26/10/2010 em 16:24
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    Oi Thays, semana passada finalmente vi o filme. Igual a vc, tb nao me interessei muito pelo livro, ateh pq, na minha fase atual, tenho uma fila deles pra ler e nao posso me dar ao luxo do prazer de uma leitura que nao entre na tese. Acho que ninguem melhor pra comentar o filme do que vc. Vc toca em pontos que, de fato, me chamaram a atençao, a começar por “perder o equilibrio de vez em quando”. Adorei isso. Os gregos tinham uma palavra bacana pra isso – a hybris – ou seja, a “justa medida”.
    Mas o que me incomoda no filme eh a ideia de que devemos perseguir as mudanças quando sentimos que as coisas nao andam bem, a exemplo da protagonista. Ora, Mrs. Gilbert chegou ao seu happy end, mas mudanças tambem podem nos levar a um estado de coisas ainda pior. Ou seja, as mudanças pressupoem riscos. Eh como os investidores. Hah quem goste e queira correr riscos. Hah quem nao goste e prefira sim o conforto do “deixar como estar” e ser feliz assim mesmo. Acho apenas que eh uma questao de opçao individual, e, como uma boa historia de auto-ajuda, fica um conselho para se chegar “aa tal felicidade” tendo como norte um conceito de felicidade que, creio, nao eh unico e nem universal.

  • 26/10/2010 em 16:24
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    Sim, Solange, a mensagem pode ser esta de mudança mesmo – que eu vejo com muito bons olhos. Só que os riscos que ela correu foram bem calculados, não acha? Ela saiu com um roteiro pronto! Sabia quanto tempo ia ficar em cada lugar. Talvez se tudo tivesse dado errado ela nem publicasse o livro, rsrsrs

    Gostei desta comparação que você fez com os ‘investimentos’. Sim, há 2 perfis de investidores: o conservador e outro mais arrojado… Eu gosto muito do pensamento de Kierkegaard, que considera um risco enorme não se arriscar por medo de se perder. Aí é uma escolha mesmo, individual: arriscar, pagar pra ver? Cada pessoa é que deve fazer sua escolha, mesmo, pra se responsabilizar por ela…

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