Taí, não imaginei que gostaria tanto assim da nova animação da Pixar, “Up! Altas Aventuras”. Ter sido escolhido como filme de abertura do Festival de Cannes (políticas à parte), deveria ser sinal pra eu ficar mais atenta. Fui conferir o filme, a contragosto, pois a cópia era dublada, achando que era ‘mais um’ para crianças, com piadas aqui e ali para entreter adultos, embalado na técnica de animação esmeradíssima. Não era. Saí surpresa. Melhor dizendo, encantada. É reducionista demais rotular como um filme ‘para crianças’. É para todas as idades, talvez mais ainda para adultos. Up é uma linda história, podendo ser equiparada aos grandes contos infantis que, em sua origem, não eram tão adocicados como vemos na versão do mundo Disney e continham em sua narrativa importantes lições,  servindo como preparação para a vida adulta.

(Curiosamente, li uma crítica a posteriori em que o sujeito detona, comparando com outras animações Pixar. Bom, não domino a técnica de animação e tampouco vi todos os que ele citou – lembrem, to sempre palpitando de curiosa: sou psi e não cineasta! Fiquei aturdida, pensando: “nossa, será que ele só quer filme como melhor ‘diversão’? Mais ação, mais corre corre, mais piada?” Logicamente, não sou parâmetro e referência cinematográfica, então é melhor parar com as críticas ao crítico e partir para a análise. E, como sempre, espero contribuições, críticas e discordâncias.)


De forma bem resumida, Up mostra o relacionamento de um velhinho, Carl Fredricksen, e um escoteiro, Russell. A diferença de idade entre eles é de ‘apenas’ 70 anos 🙂 Poderiam ser avô e netinho. Mas não são e se sabe isto logo de início: o filme começa mostrando a linda história de amor, entre Fredricksen e Ellie, daquelas que talvez tenham acontecido com nosso avô e nossa avó, se eles tiveram sorte, mas que estão cada vez mais difíceis de se ouvir falar. Em pouco tempo – e de forma delicada e simples – o grande amor deles passa a pano de fundo. Assiste-se então à trajetória de dois anti-heróis. Um deles é o velhinho em questão: Fredricksen, aos 78 anos, tem um plano mirabolante e muito ousado. Que daria certo facilmente – no mundo da fantasia Pixar, não fosse seu assistente a contra-gosto. Sim, Russell. Por ter uma missão – muito simples a cumprir mas que se torna quase impossível – ele se vê envolvido no plano.

No meio do caminho, a dupla tem de se unir para superar seus limites pessoais (típicos tanto da velhice quanto da infância). Só com a cooperação mútua – inicialmente muito difícil – conseguirão chegar onde querem. Russell é desesperador em muitas cenas, como muitas crianças sabem ser. E muitos espectadores vão se reconhecer na impaciência senil (e ranzinzices) de Fredricksen. O laço que os une não é sanguíneo: o que é pura necessidade de sobrevivência, de início, aos poucos transforma-se em laço de amizade. Companheiros forçados, o velho tem de reconhecer seus limites e ceder – algo a que talvez já tivesse desacostumado. E assim um ajuda e ensina ao outro.

Atenção, se não quer saber mais do filme, querendo a experiência de se surpreender frente à telona, sugiro que não assista ao trailer: assista primeiro ao filme e depois veja e continue a leitura… Mas é apenas uma sugestão.




Insisto: se não quer saber mais do filme, melhor parar… 🙂

Up é melancólico (soube de muita gente que chorou…) ao retratar a perda de um amor construído ao longo de décadas: Fredricksen perde sua amada, que continua a ser sua referência afetiva. Ele era um ser-com-Ellie e, viúvo sem filhos, sitiado no meio da especulação imobiliária e da insensibilidade com os idosos, tem como destino um asilo. Reunindo o máximo de suas forças, decide ir realizar o sonho que por tanto tempo acalentou com sua Ellie.

Logo nas cenas iniciais, o/a espectador/a dá de cara com temas muito difíceis de lidar, para a maioria: a esterilidade do casal, o envelhecimento e a morte. Todos são ‘não’ que a vida nos dá. E a morte, como pior de todos, que extingue os projetos pessoais. Fica o alerta de que ‘a existência não pode ser adiada’, que deixar para o futuro longínquo algo por realizar pode deixar frustrações e um vazio…

Russell surge e com ele o confronto entre novo e o velho (puer/senex , se tivermos um olhar junguiano). Para o equilíbrio, para não quebrar, no contraponto à rigidez de Fredricksen, este tem de aprender a ser flexível. A experiência tem de ser trocada, a energia renovada. De Russell, não se sabe seu sobrenome: sua família não se faz presente. Não há quem o apoie, o acolha. Tudo o que quer é atrair a atenção do pai. Da mãe, não se sabe – apenas que não é a figura feminina que está mais presente em sua vida. Mais uma crítica (sutil???) às relações contemporâneas entre pais-filhos.


Na jornada dos dois, Fredricksen vai descobrir que seu ídolo (e de Ellie também) de infância tem pés de barro e vai polarizar com ele, na clássica briga do bem contra o mal. É ajudado por Russell e outros ‘amigos’ que conquistou no caminho. Tendo sido sempre um introvertido, fechado em si mesmo, finalmente aprende a trocar e expandir seu círculo para além de Ellie. E outra importante e explícita lição: é necessário desapegar para poder deixar coisas boas acontecerem. Ah, e outra: ‘quem tem um para quê suporta qualquer como’…



Enfim, depois disto tudo, acho que nem preciso repetir o quanto amei Up! Será que esqueci alguma coisa? Provavelmente sim, mas aos poucos vocês vão me relembrando… E olha que ainda nem conferi os extras online. E, se assistir no cinema, não vá embora sem ver os créditos…


Só pra finalizar, achei todas as gozações feitas aos cães do filme bem pertinentes! 🙂 Em tempo, a dublagem não decepciona. Impossível não reconhecer (e aprovar) o dublador de Fredricksen, que ganha vida com a voz de Chico Anysio.

Em frente e pro alto!
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6 ideias sobre “Em frente e pro alto!

  • 23/09/2009 em 16:24
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    Ótimos comentários, Thays! Esse negócio do novo/velho é uma tabelinha bem construída, não tinha nem parado pra pensar nisso…

    Minha primeira leitura do filme não levou o Russel muito em consideração… eu fiquei parado no drama do velhinho (não me recuperei do vídeo-clipe de abertura até hoje). Pra mim, o moleque era só o “carteiro tampinha”, como dizem os cães…

    Mas daí vi o filme de novo e consegui dar mais atenção a ele. As relações familiares são apresentadas de maneira muito truncada e muito sutil, coisa corajosa em termos de Hollywood (que não tem o hábito de deixar coisas mal explicadas).

    Abraços,
    Ricardo

  • 24/09/2009 em 16:24
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    É pra ver mais de uma vez! Estou aguardando sair o DVD pra comprar pros meus pequenos.
    As crianças cada vez que assistem conseguem captar uma nova mensagem e por isso gostam de ver inúmeras vezes.
    Lidar com sonhos, frustrações, morte, falsidade e aprender que amizades verdadeiras podem surgir de onde menos se espera são algumas lições muito bem inseridas no filme. Sensível, lúdico e muito bem sacado.

    Em compensação….

    O tal do “Cloudy with a chance of meatballs” – não sei se já está em cartaz no Brasil, é obvio, tosco, bobo e chato. Vi porq. as crianças sempre se divertem mas é muito fraco.

  • 24/09/2009 em 16:24
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    Myrthes, vi o trailer deste outro filme e achei uma bobajada… E ainda vai na direção contrária a um dos grandes problemas de saúde dos USA: a obesidade. Fiquei imaginando que pelo menos no final poderia ter alguma mensagem que acrescentasse mas, pelo que você está dizendo…

    Tire uma dúvida: tem algum merchandising explícito? Imagino que as mensagens subliminares devem aumentar as vendas de hamburguers logo após cada sessão.

    Beijos!

  • 24/09/2009 em 16:24
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    Ricardo, não tenho o hábito de ir um monte de vezes ao cinema (ainda mais com a programação do Festival do Rio me tentando…) mas não descarto a possibilidade de abrir uma exceção. E ter o DVD também.

    Obrigada pelo comentário!

  • 24/09/2009 em 16:24
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    O lance é ver o Tarantino aí no Rio! Ele vai estar ao vivo pra lançar “Bastardos Inglórios”… e eu também estou louco pra ver o novo do ALmodóvar…

  • 25/09/2009 em 16:24
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    eu tenho medo do Taratino, rsrsrsrsrs

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