Em 2012, o Brasil (re)descobriu o cinema francês, graças a Os intocáveis. Baseado em um caso real, tem no elenco o grande ator François Cluzet e Omar Sy que, pelo menos para mim, foi uma grande revelação. Admiro Cluzet desde 94, quando o assisti desesperado de ciúmes pela jovem esposa, em Ciúme, o Inferno do Amor Possessivo (os franceses, muito mais sintéticos, intitularam apenas de ‘O Inferno’: L´Enfer). De lá pra cá, sempre o vi em ótimos papéis. (Ok, ele fez uma pontinha como ladrão na comédia romântica Surpresas do Coração, mas nada que comprometa seu bom currículo, na minha opinião de fã não-cineasta, claro).

A última resenha do Confabulando é sobre Até a eternidade, outro filme em que Cluzet se destaca, como o obsessivo e desesperado Max, papel que lhe exige muito mais do que o de Os intocáveis. Neste, vive Phillippe que, por conta de um acidente fica tetraplégico. A tetraplegia dá uma contenção cênica que destaca mais Omar Sy, a revelação do filme como o enfermeiro Driss.

Quando ouvi falar deste filme, estranhei. Cheguei a pensar que era um remake do americano sobre a máfia (mas como????, seria um contra senso!!! ) Claro que não era, acabei conferindo no Festival Varilux e amei. Infelizmente, já li por aí que estão pensando em fazer um remake … como podem querer mexer no que está ótimo? Será que vão mudar aquela locação maravilhosa? 🙂

Se você já leu outras resenhas, já percebeu que os críticos de cinema mencionam clichês demais. Talvez até você tenha achado que o filme é bobinho demais, dourando demais a pílula, mas, sinceramente??? Esta tendência dos críticos de intelectualizar e reduzir o filme talvez reflita a forma pessoal com que eles (críticos) vejam as suas vidas pessoais . Tem a ver com a forma como tocam suas próprias vidas – estilo otimista ? depressivo? Então, ao ir ao cinema, suspenda juízos e preconceitos e abra-se para a experiência, deixando-se tocar – com o perdão do trocadilho infame. Seja menos intelectual para poder apreciar um belo filme.

Os Intocáveis é um filme agradável mas não é só isto. Ele não é um filme só superficial. Ele pode propiciar boa introspecção, acerca dos seus próprios relacionamentos pessoais, se você quiser, claro. Ou você pode ficar no impessoal, falando de política, do social, das grandes questões das minorias. Peraí serão mesmo minorias? Bem, podemos ficar pensando em termos dos imigrantes na Europa, apesar de vivermos no Brasil, gastarmos horas discorrendo sobre isto, sobre a ‘minoria’ negra, a ‘minoria’ imigrante’, ou melhor, sobre os excluídos, os intocáveis … Eu preferiria falar sobre o que pode acontecer na minha vida se de repente eu ficar deficiente e dependente de alguém, mas…

Resumindo: Driss, recém saído de uma detenção, candidata-se a um emprego como cuidador de um tetraplégico milionário. Na verdade, ele não tinha a menor intenção de conseguir a vaga, só queria mesmo uma assinatura para conseguir o auxílio-desemprego do governo. No entanto, acaba conseguindo a vaga, o que é bem conveniente, pois havia sido expulso de casa por sua mãe adotiva. De uma hora para outra tem não só dinheiro como um ótimo teto.



O que cativou o grande público europeu e agora o brasileiro? O carisma dos atores? Saber que era uma história real? Que é possível a convivência entre pessoas de realidades tão diversas, caso estas estejam dispostas a se abrirem? Aliás, o quanto é possível isto, nos dias de hoje? Saí do cinema pensando nos meus relacionamentos próximos e no que eu faria se me visse em uma situação de total dependência como a de Phillippe (sem tantos recursos financeiros, como ele tem). Aliás, é algo que me pergunto várias vezes.

À frente, spoiler. É melhor parar aqui, caso não tenha visto!

O que talvez irrite os críticos seja justamente a mudança que se opera nos personagens. Logicamente que esta mudança é acelerada em um filme de 2 horas… Mas não é impossível que ela se dê na convivência, com pessoas de de origens tão distintas , principalmente quando um é tão espontâneo. Phillippe, milionário,é totalmente dependente do enfermeiro, coloca seu corpo, sua vida literalmente nas mãos dele. Ele está no tédio total, enojado diante da hipocrisia das pessoas que o cercam. Driss não tem finesse, não entende aquele mundo, é naïve, é uma criança em um corpo de adulto. A crítica se incomoda com o que parece clichê. Mas na vida real pode acontecer. Ou não? Nunca??? Dá pra generalizar???


Driss, por não ter para onde ir, aprende a gostar de estar ali, aprende a ficar . Não gosta de tanta pompa e circunstância, mas aprende a usufruir o quanto lhe convêm. Aprende e ensina , mutuamente. Mudanças acontecem. E as críticas ao que é erudito ou arte, que muitas pessoas, na vida real fazem, incomodam um pouco – pois parece que não é possível ouvir algo assim, como se desmoralizasse e tirasse o sentido da arte.

Mas isto também é vida real, não apenas o que críticos profissionais queiram achar, que é tudo obra da ficção, maquiada para consumo do público. Sim, o público gosta de imaginar que sempre haverá a possibilidade de final feliz. Mas existe mesmo a possibilidade de mudança quando há abertura e disponibilidade. É otimista demais? Talvez. O problema é : você tem abertura pra vida??

Você deixaria alguém totalmente diferente de seu nível entrar e mostrar algo de diferente do seu universo cultural? É este o problema!!! Dependendo da idade, muitas vezes já se ergueram barreiras demais, ninguém cede, está todo mundo defendido… Então é fácil dizer que o filme é clichê… Tem muito mais a ver com a atitude das pessoas frente a vida…

E o quanto só aceitamos isto se não temos outra escolha? Chamou atenção a ‘preocupação’ do parente (ou amigo) que procura saber quem é aquele enfermeiro mas… o quanto ele se mostra disponível, no dia-a-dia, para compartilhar a vida com Phillippe, para acompanhá-lo nos programas, no lazer? Qual a disponibilidade afetiva que ele tinha? Aparentemente , zero… Aliás, fazendo esta mesma pergunta nas nossas vidas, temos esta disponibilidade para as pessoas que estão próximas? ou podemos contar com alguém caso nos aconteça algo semelhante, ou apenas com cuidadores profissionais?

Você pode escolher o filme que você paga para ver , mas o roteiro da sua vida é você que escreve, e você é quem desempenha o seu papel. Quer queira, quer não. Cabe a você decidir se vai ficar se lamentando , se culpando ou se justificando nos outros ou não.




E você? Qual sua opinião? Opine, clicando no título – vai se abrir uma caixinha aqui embaixo. Sua resposta será publicada em breve e responderei assim que a ler. Obrigada pela participação!
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Thays Babo é psicóloga clínica e Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio. Atende no Centro do Rio de Janeiro.

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