Muitas resenhas classificaram Truman como comédia. Seria uma ‘negação’, de quem fez a categorização ou estratégia de marketing? Por mais que haja várias cenas bem humoradas, dosadas certeiramente, o filme aborda um tema espinhoso: nossa terminalidade. A categoria comédia dramática seria mais adequada. Quem assiste não poderá evitar repensar a própria vida.
Darín interpreta Julían, ator argentino que mora sozinho em Madrid, separado. Após descobrir que não há muito o que fazer com a metástase de câncer no pulmão, se ocupa dos preparativos práticos para quando a morte chegar – como, por exemplo, arranjar um lar adotivo para Truman, seu cão e companheiro dos últimos anos. Ao tomar uma série de providências, Julian assombra a pessoa comum e causa um aperto no coração de quem o assiste. Seu amigo Tomás (Javier Cámara, o Benigno do filme de Almodóvar, Fale com ela) vem do Canadá para ajudá-lo com os preparativos, juntando-se à prima de Julían.
Enfim, o filme mexe com quem tem problemas com a terminalidade – e quem não tem? A psiquiatra suíça Elizabeth Kübler Ross brilhantemente descreveu as cinco fases que atravessamos ao lidar com a morte. Poucas pessoas conseguem ir até a quinta – até porque é muito difícil falar sobre ela: pessoas próximas tentam negar a sua percepção, ou se incomodam de falar sobre morte
Resolver e aceitar a finitude, por mais difícil que seja, abre a possibilidade de terminar a vida bem. E Julian consegue fazer isto – não sem dor, mas com dignidade. O filme não foca nas cenas de hospital, não o vemos em sofrimento físico. O sofrimento maior vem ao se despedir das pessoas e situações, se dar conta de sua solidão, de que a vida continuará sem ele e que ele não será insubstituível.
Profissionais da área de saúde – psicoterapeutas e médicos, dentre outros – deveriam assistir, em especial os que lidam com pacientes oncológicos. Afinal, eventualmente se deparam com pessoas que fazem perguntas difíceis sobre seus tratamentos. Algumas podem querer fazer a escolha de Julian – e serem impedidas por familiares ou pelos hospitais. A Medicina, cada vez mais avançada, aumenta as possibilidades de diagnóstico e tratamento. Mas muitos pacientes, familiares e amigos têm a mesma dúvida do protagonista, quando, em algum momento, a morte parece mais próxima do que nunca. E como a encaramos? Lutando até o fim, para prolongar, e acabando com nossos dias restantes? Ou assumindo a dor e a dificuldade que é despedir-se de pessoas queridas, de projetos nunca realizados, revendo nossos erros e pisadas na bola? Existem questões éticas e jurídicas envolvidas neste tipo de decisão, mas está cada dia mais difundida a ideia do tratamento paliativo e do testamento vital.
Dois outros filmes tratam sobre a escolha frente à morte, pela não opção ao tratamento médico, convencional, que pode ser muito frio e impessoal. O filme francês E se vivêssemos todos juntos? trata o assunto de forma leve – neste a a finitude vem ao final de uma longa e boa vida, abordando também a questão da solidão na velhice, com suas questões familiares. Hoje, na Europa, muitos grupos de amigos organizam-se em comunidades como a retratada. O filme conta com um elenco primoroso – incluindo Jane Fonda e Geraldine Chaplin.
No canadense As Invasões Bárbaras (excelente continuação de O Declínio do império americano, que superou o primeiro filme), o professor universitário Rémy não se conforma com a sua finitude, lutando com um câncer. Ele, um intelectual arrogante, não consegue ver sentido na vida e nem na sua morte.
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Tanto quanto os outros filmes, Truman traz grande lições sobre amizades, relações familiares e – também – profissionais. Agradará a quem não tem medo da vida e consegue encarar de frente a única certeza que temos na nossa vida: em algum momento, ela termina. E ter tido uma vida significativa, com amigos e amores por perto sempre ajudará a superar e aceitar nossa condição humana. E, acima de tudo, os três mostram a importância de buscar o seu sentido, para a sua vida.
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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, com formação em terapia cognitivo-comportamental (TCC), pelo CPAF-RIO e extensão em ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso), pelo IPq (USP). Atende a jovens e adultos em terapia individual, terapia de casal e terapia pré-matrimonial, em Copacabana.