Ao sair do cinema, fiquei por dias sob o impacto da imagens de A Origem (Inception). A estas alturas, é improvável que você assista este filme no cinema, passado tanto depois do lançamento. Ver no computador ou mesmo em uma televisão de tela gigantesca, em casa, não tem o mesmo impacto. O visual remete à arte, a Escher, ou seja, perde muito quando visto numa telinha em casa, por maior que seja a sua. A música, que em alguns momentos oprime, também pede um surround.

Eu falei em Escher. A imagem abaixo ajuda a esclarecer porquê e reforça que o filme ‘pede’ uma telona.



O roteiro e direção são de Cristopher Nolan. Mesmo não sendo conhecedora profunda do roteirista-diretor, assisti a seus Amnésia, Insônia , Batman – ao 1º, que me deixou insone – e O Grande Truque. Por esta filmografia, qualquer um já percebe seu prazer em confundir os espectadores por muitos minutos até se revelar, no final. Ponto pra ele. Se você não se importa de perder o impacto de assistir ao filme de forma pura, com total surpresa – o que eu aconselho, muito – vá em frente. Se não, pare agora e só retorne depois da sessão.

Ok, você continuou , então vamos lá.

O elenco é estelar. Mesmo não sendo fã de Leonardo di Caprio (trauma por causa de Titanic?), reconheço que ele está bem, mais maduro, e convincente como alguém atormentado pelo passado e pelos erros cometidos. O sempre impecável Michael Caine tem uma rápida participação. Marion Cottillard interpreta sua esposa, morta, Mel. Os demais – Ellen Page (Juno), Tom Hardy (500 Dias com ela), Tom Berenger, Cillian Murphy, bem como o sempre enigmático Ken Watanabe – estão em sintonia fina. A história não é nada simples: Cobb é um especialista em adentrar a mente dos outros para roubar ideias. Há uma técnica que permite isto – não há muitos dados sobre o processo – desde que as pessoas adormeçam profundamente. No sono profundo, sugestões são feitas, a realidade é outra, e o tempo não é como o da vigília. Quem assistiu a Matrix verá semelhanças, como uma certa referência a conceitos budistas.

Em algumas cenas, a estética lembra games. O objetivo do jogo? Convencer um herdeiro de uma empresa gigante a dividir o seu negócio para que o contratante de Cobb tenha maior lucro. Para isto, ao invés de roubar uma ideia, Cobb terá de implantá-la. Assim, poderá recobrar sua liberdade e voltar para casa. Mas se Neo, de Matrix, era um herói, podemos dizer que o caráter de Cobb é realmente ambíguo. Ele é um herói às avessas. Para conseguir entrar no labirinto do sonho, tem de se cercar de outras pessoas que o ajudem a entrar e sair. Não deve ser por acaso o nome da personagem de Ellen Page: Ariadne, famosa na mitologia por ter ensinado a Teseu como escapar do labirinto do Minotauro. Ariadne, na mitologia, se apaixona por Teseu. No filme, fica o clima no ar – no seu empenho para ajudar Cobb a se livrar da sua culpa, relacionada com a morte da esposa, que fica presa em sua mente, sempre voltando e sabotando o que planeja, conscientemente. Fiquei com a impressão de que pode vir A Origem 2 pela frente.

O que será que nos faz torcer por heróis tortos? Será que é por que tentam se redimir dos erros passados? Ou por que tudo que querem é voltar às suas casas, como Ulisses? E por que tortos? Ora, quem gostaria de ter uma ideia roubada ou implantada? Onde fica a liberdade do sonhador? E onde está a ética? Se a gente já se incomoda tanto com as mensagens subliminares, a ponto de proibi-las, como não se indignar com a possibilidade de implante? E não é que, de certa forma, já vivemos isto com propagandas nos cercando em todos os lugares, onde antes havia vazio e espaço?



Então, não tem jeito, a gente se solidariza e torce pela redenção do bandido que vira mocinho – ainda que a sua vitória seja conseguir terminar, com sucesso, um ato tão anti-ético como implantar uma ideia. Para isto, adentra a mente da vítima e vasculha sua relação com o pai, que acaba de morrer. Manipula e transforma esta relação e, assim, garante sua liberdade. Cobb é corroído pela culpa pelo passado, sem se preocupar com o que faz no presente. E , como a gente sabe, culpa não adianta para nada: só nos prende ao passado, impedindo o crescimento.

Os sonhos induzidos parecem games, em que se tem um certo nível de controle. E é a margem de descontrole que faz de A Origem um filme de ação também. Nolan não foge ao script e ‘implanta’ cenas de de perseguição e luta, onde não se sabe mais quem é bandido, quem é mocinho. Eu sempre tinha achado que era incompetência minha, mas pelo que ouvi de comentários, não estou sozinha… 🙂

Como sonhos não são fáceis de explicar, porque fogem à linearidade, que a maioria de nós preza, este filme também nos deixa zonzos no início. Faltam informações sobre como ideias podem ser realmente implantadas. É um daqueles em que se ouve muita gente na saída comentando que não entendeu… O filme mostra bem a relação entre a mente, seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. E, o que é assustador, a possibilidade de manipulação de mentes.

Para comentar, basta clicar no título desta resenha. Vai abrir uma caixinha aqui embaixo. Obrigada pela participação, volte sempre!

P.S: O filme recebeu em 2011 os Oscars de Melhor Fotografia, Melhores Efeitos Especiais, Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição de Som , tendo sido também indicado a Melhor Filme.


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Thays Babo é psicóloga e Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, associada a ATC-Rio e atende no Centro.

A Origem, o filme
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