Não li o romance de Scott Fitzgerald. Confesso até que nem sabia da existência do romance – na verdade, um drama.  Faço o alerta  e a confissão de ignorância pois minhas reflexões são baseadas exclusivamente no longa metragem. Com ótimo elenco, conta a história de Benjamin Button ( Brad Pitt ) e seu amor por Daisy (Cate Blanchet, com quem também contracenou no premiadíssimo Babel ).

Para quem também não leu o conto, resumirei bem sucintamente. Adianto que o filme é ‘todo bom’: elenco impecável, bela fotografia, maquilagem primorosa, direção de arte… Com isto, concorreu a 13 estatuetas no Oscar de 2009, além de várias indicações ao Globo de Ouro.

Benjamin Button nasce com aparência e saúde de velho. Não vou adiantar aqui quem é o ‘culpado’ mas dizer que, rejeitado por seu pai, não só por sua aparência, é abandonado e criado por uma mulher estéril, que o adota, apesar dos péssimos prognósticos e das dificuldades financeiras. E assim vai acontecendo um milagre: o bebê velho vai resistindo, sobrevivendo e… bem, vale a pena assistir, mesmo que, como já disseram por aí, tenham sido feitas muitas alterações no texto original.



Já recebi dezenas de vezes um e-mail – atribuído ora a Charles Chaplin, ora a Woody Allen- que diz que a vida é injusta: deveríamos nascer velhos e ir rejuvenescendo, até voltarmos ao ponto do orgasmo em que fomos gerados (ok, nem todos, nem todos 😉 ). Nunca concordei muito com a frase mas, pesquisando mais sobre o filme, descobri que Fitzgerald se inspirou na seguinte frase de Mark Twain : “A  vida  seria  infinitamente mais  feliz  se  pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18” (ver em http://cultura.updateordie.com/cinema/2009/01/06/o-curioso-caso-de-benjamin-button , blog que me fez querer ler o livro).

Para quem acha mesmo que a alteração na linearidade da vida seria a melhor forma de viver, o filme mostra que não é bem assim. Não importa em que direção o ponteiro do relógio gire, a passagem do tempo sempre angustia a maioria de nós, mortais. Indica nossa finitude. Indica que enfrentaremos perdas. Benjamin se prepara para suas perdas, vive intensamente, sem grandes questionamentos. Mas a angústia aparece, talvez de forma pior do que para nós, que temos um destino em comum, na vida real.

Quem for ao cinema sem  interesse no talento do ator ou na história pode achar o filme muito lento. Lento e longo – são 166 minutos de filme. Brad Pitt custa a surgir com o visual que conhecemos desde Thelma e Louise e que conquistou milhares de fãs. 



A partir daí, tem-se a impressão de que o tempo do filme acelera. Teria ele já tinha aprendido o de melhor da vida. Ou não? E aí surge o visual que conhecemos, até quase o final do filme.

Quando crianças, sonha-se que o tempo dispare para obter a liberdade e independência que supostamente os adultos têm. Mais uma ilusão. Tempo e liberdade – já seria outro tema ou é o mesmo?



Duas frases se destacam no trailer: “A vida só pode ser entendida em retrospectiva. E só pode ser vivida olhando-se pra frente“. A essência deste pensamento, de Kierkegaard, me remeteu ao desabafo de uma das pacientes terminais do psiquiatra americano Irvin Yalom, que disse “a existência não pode ser adiada“. Já que este é o tópico das ‘confissões’, confesso que esta frase me orientou desde que a li, há anos. Ela une o foco no ‘aqui e agora’ dos existencialistas com o pensamento oriental que, por razões bem diversas, recomenda o mesmo.

O filme é docemente triste, uma análise sobre a passagem do tempo e o  fato de que não se pode pará-lo ou antecipá-lo, em momento nenhum de nossas vidas, por mais que o queiramos. Pode ser visto como um ode ao amor incondicional, ao amor com desapego.

A trajetória deste herói, sabe-se desde o início, é fadada ao fracasso. Se Benjamin  é impotente, como todos nós, frente à morte, desde o início sabe que não receberá um dos ‘presentes’ que temos da existência: dar um sentido à vida, ainda que no leito de morte. Benjamin sabia desde  sempre que seu  fim levaria  ao esquecimento, à inconsciência. Sairia da condição de humano, perderia sua memória.

Enfim, O curioso caso de Benjamin Button é um filme para ser visto não apenas como ‘a melhor diversão’, mas como uma profunda reflexão acerca de como vivemos nossas próprias vidas…



Ps: este post foi publicado originalmente na época do lançamento, mas, devido à invasão do blog por spammers, foi revisto e republicado. Aguardo sua opinião.
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Thays Babo é psicóloga , Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, associada à ATC-Rio e atende no Centro (Rio)

O tempo em Benjamin Button
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